Novena de Santa Mônica
1º Dia
Minha mãe foi um tanto solicita em recomendar-me que fosse casto, que não abraçasse o matrimônio muito jovem porque, com o vínculo matrimonial, ela tinha medo de que se frustrassem as esperanças que tinha sobre mim: os estudos. Nisto os dois estavam em pleno acordo. Meu pai porque desejava ardentemente a sua realização através do filho letrado, mas minha mãe porque considerava que os estudos das ciências me ajudariam chegar a Ti, Senhor Deus altíssimo. (Conf. 2,3)
2º Dia
Ó Deus estendestes Tua Mão ao alto e livrastes minha alma deste abismo de trevas, enquanto minha mãe, tua fiel serva, chorava diante de Ti, muito mais do que as outras mães costumam chorar diante do cadáver do filho, porque via minha morte para com a fé e o espírito que havia recebido de Ti. E Tu a escutaste, Senhor. Tu a escutastes e não desprezaste suas lágrimas, que correndo abundantemente, regavam o solo debaixo de seus olhos, por toda a parte onde fazia sua oração; sim, Tu a escutaste, Senhor.
Certo dia ela teve um sonho, com o qual a consolaste; a partir desse dia, passou a me admitir em sua companhia e mesa, o que havia começado a me negar porque aborrecia e detestava as blasfemas de meu erro.
Nesse sonho ela se viu, de pé, sobre uma tábua de madeira, e um jovem resplandecente alegre e risonho que vinha ao seu encontro, toda triste e aflita. Este, depois de perguntar a causa de sua tristeza e lágrimas diárias, não por curiosidade, como acontece ordinariamente, mas para instruí-la, ela lhe respondeu que chorava minha perda. Este mandou-lhe que prestasse atenção e visse que onde ela estava, também estava eu. Olhando, viu-me junto a si, de pé, sobre a mesma tábua.
Ao contar-me esta visão, e querendo persuadi-la de que significava o contrário e que não devia desesperar de ser, algum dia, o que eu era então, ele, sem nenhuma hesitação, me respondeu: Não, não me foi dito: onde ele estiver está, ali estás tu, mas, onde tu estás ali estará ele. (Conf. 3,11)
3º Dia
Seguiram-se, efetivamente, quase nove anos, durante os quais continuei a me revolver naquele abismo de lodo e trevas do erro, afundando-me tanto mais, quanto mais esforços fazia para me libertar. Entretanto, aquela piedosa viúva, casta e sóbria, como as que Tu amas, já um pouco mais alegre, com esperança, porém, não menos solicita em suas lágrimas e gemidos, não cessava de chorar por mim em Tua presença, em todas as horas de suas orações; e suas preces eram aceitas a Teus olhos, mas deixavas ainda revolver-me e envolver-me naquela escuridão.
Nessa mesma ocasião, destes a minha mãe, por meio de um bispo educado em Tua Igreja e exercitado em Tuas Escrituras, a quem, como ela pedisse, se dignasse a falar comigo, para refutar meus erros, desenganar-me de minhas más doutrinas e ensinar-me as boas – isto ela fazia e quantos julgassem idôneos. Ele negou-se com muita prudência, contestando-lhe que eu estava incapacitado para receber qualquer ensinamento, por estar muito orgulhoso da doutrina maniqueísta e por haver posto em apuros muitos ignorantes com algumas questões fáceis e disse-lhe: deixe-o e unicamente ore por ele ao Senhor! Ele mesmo, lendo os livros dos hereges, descobrirá o erro e conhecerá sua grande impiedade. Ao mesmo tempo, contou-lhe que em sua infância fora maniqueu e por si, viu que aquela seita era digna de desprezo e a abandonou.
Como nem mesmo assim Mônica se aquietasse, instando com maiores rogos e mais abundantes lágrimas a que me visitasse, para discutir comigo sobre o tal assunto, o bispo, cansado de sua insistência, lhe disse: Vai-te em paz, mulher, e continue a viver assim. Não é possível que pereça o filho de tantas lágrimas. Estas palavras ela recebeu como vindas do céu segundo me recordavam muitas vezes em seus colóquios comigo. (Conf. 3,12)
4º Dia
Também foi obra Tua, Senhor, o fato de me persuadirem de ir à Roma, para ali lecionar o que ensinava em Cartago: Retórica. Minha mãe chorou atrozmente minha partida, seguindo-me até o mar. Mas tive de enganá-la, porque me retinha por força, obrigando-me a desistir de meu propósito ou a levá-la comigo, para o que, fingi que tinha de me despedir de um amigo que eu não queria abandonar, até que soprando o vento, ele pudesse navegar. Assim, enganei minha mãe e fugi. Tu me perdoaste este pecado misericordiosamente, protegendo-me das águas do mar para chegar às águas da Tua graça. Contudo, como ela se recusasse a voltar sem mim, apenas pude persuadi-la a permanecer aquela noite em uma capela próxima a nosso navio, consagrada à memória de São Cipriano. Mas naquela mesma noite parti às escondidas, deixando-a a orar e a chorar.
Na manhã seguinte, louca de dor, enchiam de queixas e prantos Teus ouvidos insensíveis, que me deixaram correr atrás de minhas paixões. Como todas as mães, desejava manter-me a seu lado, desconhecendo as grandes alegrias que lhe preparavas com minha ausência. Por fim, depois de me haver acusado de mentiroso e de mau filho, pôs-se de novo a rogar por mim, e voltou para a sua vida habitual, enquanto eu me dirigia a Roma.
5º Dia
Na verdade, estando em tão grande perigo, não desejava Teu batismo. Quando menino, eu era melhor, porque então supliquei à piedade de minha mãe, como já recordei e confessei. Mas para minha vergonha, eu havia crescido e em minha loucura, zombava dos conselhos de Tua medicina, que não me deixou morrer por duas vezes em tais sentimentos. Se o coração de minha mãe fosse transpassado por essa ferida, nunca haveria de sarar! Porque não posso declarar, de modo suficiente, o grande amor que me dedicava e a que ponto seus sofrimentos para me dar à luz em espírito eram piores que as que suportara quando me deu à luz pela carne.
Por isso, não vejo como poderia sarar, se minha morte, em tal estado, tivesse ferido as entranhas do seu amor. Onde estariam tantas orações, continuamente repetidas? Estariam em Ti, somente em Ti. Acaso, Tu, Deus das misericórdias, desprezarias o coração contrito e humilhado de uma viúva casta e sóbria, que frequentemente dava esmolas e servia obsequiosa a teus Santos? Que ia duas vezes por dia – de manhã e de tarde – à Tua Igreja, sem faltar jamais, e isto não para entreter-se em vãs conversações e cochichos de velhas, mas para Te ouvir nos sermões, e para que a ouvisses em suas orações? Poderias desprezar as lágrimas de uma mãe que não Te pedia nem ouro, nem prata, nem bem algum mutável e frágil, mas a salvação de seu filho? Poderias, ó Deus, a quem ela devia “o ser que era”, poderias desprezá-la e negar-lhe o Teu auxílio? Pelo contrario, Tu a assistias, e a escutavas, mas pelo modo assinalado por Tua providência.
Minha mãe já viera a meu encontro, forte em sua piedade, seguindo-me por mar e por terra, confiando em Ti em todos os perigos. Chegando a Milão, encontrou-me em grave perigo, na desesperação de buscar a verdade. Contudo, quando lhe disse que já não era maniqueu, foi como o coração cheio de confiança, me respondeu: espero em Cristo, que antes de sair desta vida, ver-te-ei como Católico fiel. (Conf. 5,11 e 6,1)
6º Dia
Logo depois de minha conversão, Alípio, meu amigo, e eu, fomos à procura de minha mãe que, ao saber do sucedido, ficou muito alegre. Contamos-lhe como o caso se passara. Ela exulta, triunfa e bendiz a Ti, que és poderoso para dar-nos mais do que pedimos ou entendemos, porque via que lhe havias concedido, a meu respeito, muito mais do que constantemente Te pedia com tristes gemidos e lágrimas. De tal forma me converteste a Ti, que já não procurava esposa nem obrigava esperança alguma deste mundo, estando já naquela “regra de fé”, sobre a qual há tantos anos havias mostrado à minha mãe.
E assim converteste seu pranto em alegria, muito mais fecunda do que havia desejado, e muito mais cara e pura que aquela que podia esperar dos netos nascidos de minha carne. (Conf. 8,12)
7º Dia
Mônica era também a serva de teus servos, e todos os que a conheciam a louvavam, honravam, amavam muito em sua pessoa, porque percebiam Tua presença em seu coração, comprovada pelos frutos de uma vida santa. Quanto a nós, Senhor, que nos chamastes a Teu serviço, por Tua permissão, nós, que vivemos em comum, na graça de Teu batismo, antes de adormecer em tua paz, ela cuidou de nós como se todos fossemos seus filhos, e de tal modo os serviu, como se fosse filha de cada um de nós. Era a verdadeira serva daqueles que se dedicavam ao Vosso serviço. Quando em uma conversa surgiu uma pergunta: se uma pessoa tem tudo àquilo que deseja, é feliz? Minha mãe respondeu: se você deseja coisas intrinsecamente boas, é feliz; se você deseja coisas más, é infeliz, mesmo se chega a possuí-las. Então eu, sorrindo e com alegria, acrescentei: mamãe querida, respondeste como um filósofo. No fim da conversa, tendo eu dito: Deus onipotente é o único que pode saciar plenamente as nossas almas; a vida feliz é, portanto, o conhecimento piedoso e perfeito daquele que nos conduz à Verdade para gozar dela, e meio para obter a união perfeita. Chegando a este ponto, que tinha impresso na memória a conversa anterior, recordando-se, como se tivesse tido um despertar de fé, alegremente recitou este verso do nosso bispo Ambrósio: “Ó trindade Santa, conforta os suplicantes!”, depois acrescentou, sem temor de réplica alguma: “A verdadeira vida feliz é a vida perfeita, à qual devemos esperar que chegaremos com fé, com viva esperança e alegre caridade”. (Vida Feliz 6, 35)
8º Dia
À minha mãe, eu havia confiado que os meus desejos se cumprissem na fé. Creio firmemente e afirmo que, pelas suas orações, Deus me concedeu a intenção de não propor, não querer, não pensar, não amar, senão aquilo que me conduz à Verdade. Abrimos ansiosos, os lábios de nosso coração aos caudais celestes de Tua fonte – da fonte de vida que está em Ti – para que, orvalhados segundo nossa capacidade, pudéssemos de algum modo, formar ideia de coisa tão grande. E ainda subimos mais acima, meditando, descrevendo e admirando Tuas obras e chegamos até nossas almas, e também fomos além delas, a fim de atingir a região da abundância inesgotável, onde apascentas eternamente a Israel com o pasto da verdade, lá onde a vida é a sabedoria, por quem todas as coisas existem, sem que ela própria se crie a si mesma, pois existe agora como antes existia e como sempre existirá. Neste momento, minha mãe me disse: filho, quanto a mim, já nada mais me atrai nesta vida. Não sei o que faço ainda aqui, nem por que ainda continuo viva, se já se desvaneceram para mim todas as esperanças do mundo. Uma só coisa me fazia desejar viver um pouco mais, e era ver-te cristão, católico, antes de morrer. Deus me concedeu esta graça superabundante. Que faço, pois, aqui? (Conf. 9, 10)
9º Dia
Cinco dias depois do êxtase, em Óstia, caiu Mônica de cama, com febre. Estando enferma, teve um dia um desmaio, ficando por algum tempo privada dos sentidos. Acudimos correndo, mas logo voltou a si e, vendo-nos presentes a mim e meu irmão Navígio, disse-nos, como quem pergunta algo: onde estava eu? Depois, vendo-nos atônitos de tristeza, nos disse: Sepultareis aqui a vossa mãe. Eu me calava, retendo as lágrimas, mas meu irmão disse não sei que palavras, com as quais parecia desejar-lhe, como algo mais feliz, morrer na pátria e não em terras estrangeiras. Ao ouvi-lo, minha mãe repreendeu-o com o olhar e com o rosto aflito por ter pensado em tais coisas e depois, olhando para mim, disse: Vê o que ele diz. E dirigindo-se a nós dois: Sepultem este corpo em qualquer lugar, e não se preocupem mais com ele. Peço apenas que se lembrem de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejam. E tendo-nos explicado seu pensamento com as palavras que pôde, calou-se. Seu estado piorou e suas dores tornaram-se mais agudas. Mas eu, ó Deus invisível, meditando nos dons que infundes no coração de teus fiéis e nos frutos admiráveis que deles nascem, alegrava-me no coração de teus fiéis e nos frutos admiráveis que deles nascem, alegrava-se e Te dava graças. Lembrava-me do grande cuidado que sempre demonstrara acerca de sua sepultura, adquirida e preparada junto ao corpo do marido. Tendo vivido com ele na maior concórdia, e assim, também queria ter aquela felicidade. E que os homens recordassem depois de sua viagem para além-mar, lhe fora concedida a graça de que uma mesma terra cobrisse o pó de ambos os conjugues.
Quando esta vaidade havia deixado de existir em seu coração, pela plenitude, eu não o sabia, mas sentia uma alegria cheia de admiração ao vê-lá falar assim. No entanto, naquela conversa à janela, quando me disse: “que faço eu aqui?”, era evidente que não mais desejava morrer em sua pátria. Assim, pois, nove dias depois de cair enferma, aos cinquenta e seis anos de sua idade e aos trinta da minha, essa alma santa e piedosa foi libertada do corpo. (Conf. 9, 13)